sábado, 2 de agosto de 2008

Henrique IV, de Pirandello

Com uma palavra pode-se destruir uma pessoa.

Sylvia Plath

É o mar que você ouve em mim?
Suas frustrações?
Ou a voz do nada, essa é a sua loucura?

Vida de marionetes

"Quando terminou o jogo e quando foi que nós perdemos a fé nas imagens? Quando foi que o medo chegou fluindo como um mingau ressecado e atrofiou nosso desejo de, sem recursos irracionais e objetivos pré-moldados, dar realidade aos sonhos? E por que se escondem os sonhos, por que não se deixam materializar por uma maquinária criada para capturar os movimentos mais finos em pensamentos e sentimentos. Está a cinematografia - a mágica, a inverossímil - extinta de uma vez por todas, vivendo uma vida humilhada nas sombras, entre os hippies semiprofissionais do cinema?"
Ingmar Bergman, em "Vida de marionetes"

quinta-feira, 31 de julho de 2008

Ilusões

Toda a história do cinema nada mais é do que a história de uma ilusão. No cinema não há nada de verdade no que se vê na tela. Mesmo em filmes "realistas", tudo não passa de uma ilusão na tela.

Não há ninguém ali. Apenas a projeção de luzes e sombras. Apenas a sequência de quadros que criam a ilusão de movimento. Assim como criam a ilusão que há alguém ali.

Manipular o tempo

Tarkovski falava em "esculpir o tempo". De fato, escreveu um livro inteiro sobre isso (sem falar no que praticou...). No entanto, jogos de palavras à parte, me parece intrigante investigar o que seria "manipular o tempo". "Esculpir" é uma palavra ligada a cortar, eliminar, lapidar. E isso, como sabemos pelo próprio Tarkovski, está muito ligado ao exercício da montagem.

No entanto, há outro domínio do tempo que está relacionado à interpretação, ao tempo do ator. Esse tempo não pode ser cortado, violentado; é o tempo do movimento, da ação. Mas ele pode ser manipulado, dominado... desenhado.

As coisas fáceis. As coisas difíceis.

Fazer um filme não é fácil. Mesmo que seja um "vídeo" e não um "filme", se formos seguir a literalidade do termo. Ainda mais quando nos propomos a uma experiência menos objetiva e mais exploratória, sinuosa, imprecisa. A vida moderna é feita de objetividades.

Trabalhar é fácil. Negociar é fácil. Jogar é fácil. Dá trabalho, mas é fácil. Difícil é enfrentar a insegurança, o medo, as máscaras. Tudo aquilo que não compreendemos e que não conhecemos as consequências.

De certa forma, este filme que fazemos também é sobre isso.

segunda-feira, 26 de maio de 2008

Nick Drake

Which will you go for
Which will you love
Which will you choose from
From the stars above
Which will you answer
Which will you call
Which will you take for
For your one and all
And tell me now
Which will you love the best.

Which do you dance for
Which makes you shine
Which will you choose now
If you won't choose mine
Which will you hope for
Which can it be
Which will you take now
If you won't take me
And tell me now
Which will you love the best

quarta-feira, 14 de maio de 2008

Contradições

Este filme não deve ser de certezas: não há tristeza absoluta se não houver a extrema alegria, nem haverá silêncio se não houver barulho. Dessa contradição nasce o drama.

À flor da pele

Não acredito em atuações psicologizantes. Quer dizer, obviamente sei o quanto abordagens psicológicas podem produzir bons resultados para os atores, mas particularmente não acredito nelas como princípio. O fundamento da interpretação neste filme está na busca de experiências e relações físicas que produzam, expressivamente, sentimentos.

Não se trata de formalizar a interpretacão ou sacralizar o gesto, mas sim de humanizar a cena: nada mais humano do que o corpo - frágil, material, imprevisível.

sábado, 29 de março de 2008

Primeira sessão de trabalho

Na primeira sessão de trabalho, 3 semanas atrás, Gui e Cacá estiveram em casa para discutir a metodologia de trabalho. Léo não pode vir, atolado nas gravações da novela em que trabalha.

Há uma coisa muito clara pra mim com relação a este filme: se a idéia é experimentar um processo realmente aberto isso deve acontecer em todos os níveis, da direção à atuação, do texto aos ensaios, e até - quem sabe - no resultado final. O que quero dizer é que esta obra, mesmo que concluída, talvez nunca se feche, como uma obra única, inquestionável, inflexível.

Neste primeiro encontro de trabalho efetivo discutimos diversos temas relacionados à história que pretendemos contar. A idéia aqui é alinhar os temas e conceitos meus com os dos atores, e da intersecção entre eles elaborar o plano de trabalho, explorando os temas comuns.

Esses temas em comum serão meu material de trabalho pelos ensaios, e, talvez, também para a confecção final do texto.

terça-feira, 18 de março de 2008

Pasolini

Quando falamos de Como As Ondas ser uma história mítica, não falamos sobre Pasolini, mas acho que ele pode ajudar a pensar como não ficar refém do "psicológico". Aqui vai um link de um artigo muito bonito sobre ele, é só copiar e colar o endereço, e apertar no botãozinho de download: http://www.overmundo.com.br/banco/anotacoes-sobre-o-corpo-transgressivo-sagrado-e-
erotismo-no-teorema-de-pasolini

sexta-feira, 29 de fevereiro de 2008

Filmes

Cacá diz, por email, que "Into the wild", o filme do Sean Penn, é um exemplo do que não devemos fazer. Sem ter visto o filme, apenas o trailer, consigo imaginar o que ela quer dizer. Tenho a impressão que há um clima de "lição de moral" no filme, que definitivamente não quero para "Como as ondas". Mas na verdade não sei se é disso que ela está falando.

Um filme controverso mas que certamente tem uma coisa ou duas a ver com o nosso é "Quatro meses, três semanas e dois dias". Já faz um certo tempo que voltou à moda no cinema essa coisa do "tempo extendido", essa busca em alongar a cena em busca de uma determinada sensação de esgotamento do espectador. Esse procedimento tem aparentemente a ver com um registro mais realista, e não por acaso muitos dos cineastas que o praticam tiveram suas origens no documentário.

Na primeira conversa com a Cacá conversamos um pouco sobre isso. Particularmente tenho muitas ressalvas com esse tipo de cinema. Não tenho certeza se isso funciona sempre, e se a sensação de desconforto gerada no espectador é realmente benéfica para as intenções do filme, ou é apenas uma impertinência do diretor. Mas há toda uma linha de cinema sendo praticada na Europa seguindo essa tendência.

"Quatro semanas..." não foge inteiramente a essa corrente. E, em muitos momentos, se revela uma cópia mal feita de outros cineastas como os irmãos Dardenne, por exemplo. Mas em um ou dois momentos propõe uma nova forma de explorar a extensão do tempo.

Nesses momentos, que considero geniais, o diretor cria cenas absolutamente estáticas, câmera parada, mise-en-scene contida. São cenas longas, que ele preenche com uma intensa ação subjetiva (se é que existe esse termo). Ao longo da cena, somos levados a imaginar uma outra ação, uma outra realidade muito distante do que está acontecendo à frente da câmera. E se cria então uma tensão insuportável entre um quadro rígido e uma paisagem imensa que é criada "por trás" da cena, como por exemplo na descrição monocórdica que o homem faz do processo do aborto, ou na mente da personagem principal sentada à mesa do jantar. Essa tensão sim é valorizada pela extensão da cena, como se o mundo imaginado fosse crescendo segundo a segundo, ameaçando romper de forma explosiva com a situação estática proposta no quadro.

Talvez esteja aqui o ponto principal que quero ressaltar: a extensão do tempo usada como forma de ampliar a tensão da cena, e não de exaurí-la.

Esse conflito entre rigidez e liberdade permeia todo o filme, e se, em muitos momentos, ele se perde com recursos gratuitos e até apelativos, nessas cenas consegue concentrar o conflito principal de forma absolutamente cinematográfica. E nos cria um quadro rico, recheado de significados e de intenções, que nos levam a cada vez mais dúvidas, e menos respostas.

quinta-feira, 28 de fevereiro de 2008

Helena de Tróia

Helena, de Tróia, possuía a reputação de "mulher mais bela do mundo". Helena tinha diversos pretendentes, que incluíam muitos dos maiores heróis da Grécia, e o seu pai adotivo, Tíndaro, hesitava tomar uma decisão em favor de um deles temendo enfurecer os outros. Finalmente um dos pretendentes, Odisseu (cujo nome latino era Ulisses), rei de Ítaca, resolveu o impasse propondo que todos os pretendentes jurassem proteger Helena e o marido que ela escolhesse, qualquer que fosse. Helena então se casou com Menelau, que se tornou rei de Esparta.

Helena foi raptada mais de uma vez; a primeira, com dez anos. A segunda, a que originou a famosa guerra de Tróia. Nesta, raptada não por um homem mas por uma ilusão. Levada a Tróia por Páris, catalisou a revolta dos aqueus que movimentaram milhares em uma guerra em seu nome.

Helena de Tróia para mim representa a figura arquetîpica da incerteza feminina; não por ambição ou por determinação, mas simplesmente por necessidade de se arriscar. Enquanto caçada, desejada, cobiçada (como um troféu) por todos a sua volta, ela nunca se sente realmente livre. Helena precisa estar em movimento, em mudança, em conflito.

sábado, 23 de fevereiro de 2008

Músicas e sons

Trabalhar com o Danilo e o Cacá ("o" Cacá Saraiva, parceiro de Danilo) em meu curta anterior foi uma experiência muito recompensadora. Não só fiquei extremamente satisfeito com o resultado final da trilha sonora como imaginei que poderia ter sido muito produtivo envolvê-los desde o início do projeto.

Curiosamente, Danilo foi o primeiro a se envolver realmente com o projeto, lendo o roteiro. E me parece claro que ele terá um papel fundamental não só no resultado final (onde talvez sua música nem apareça tanto...) mas também no processo de construção.

Tenho um método (ou uma mania, sei lá), sempre que estou trabalhando em um roteiro, que é o de criar uma "trilha sonora" para essa idéia. Não se trata realmente de uma trilha para as cenas, mas sim um fio condutor de pensamentos e sensações relacionados à história que estou contando.

Quando a sequência da trilha realmente faz sentido e parece fluida, é pra mim um sinal de que finalmente cheguei ao ponto que queria.

A trilha de trabalho (como denomino) de "Como as ondas" está assim:

1. Don´t - Doris
2. Truth doesn´t make a noise - White Stripes
3. Short Leave - Alamo race Track
4. Bobo on the corner - Beastie Boys
5. Please do not go - Violent Femmes
6. Is this Desire? - PJ Harvey
7. Lust for life - Iggy Pop
8. I´ll be your mirror - Velvet Underground
9. Schizophrenia - Sonic Youth
10. Vertige - Camille
11. Sea of love - Cat Power
12. My body is a cage - Arcade Fire
13. Blackbird - The Beatles

Se eu estou satisfeito com a sequência? Não.

Tempo

Na primeira reunião de trabalho, a Cacá resumiu o que penso: "Eu não acredito que a realidade seja linear". Bom, essa idéia não é nova e, pra falar em termos de cinema, todo filme em maior ou menor grau confirma essa afirmação. Tarkovski escreveu um livro chamado "Esculpir o tempo", no qual define no título a vocação principal do cinema, e com a qual concordo irrestritamente.

"Como as ondas", obviamente, retrata uma sequência de ações que levam até a tentativa de suiícido. Sempre intui que essas ações não deveriam estar expostas na sequência natural dos acontecimentos. Fiz algumas experiências que me deixaram insatisfeito, intercalando as cenas. E resolvi iniciar o projeto com o texto linear, que foi o q lemos na primeira reunião.

Algo me diz que manusear a questão do tempo neste filme será muito mais complexo e radical do que simplesmente intercalar cenas.

Sobre a forma

De certa forma, um dos principais impulsos que eu tive para fazer esse filme foi um comentário feito pelo André Franciolli, editor do meu curta anterior. A frase foi simples, meio jocoso mas definitivamente afiada: "Você precisa acreditar na imagem".

E então foi isso. Claro que eu achava que acreditava na imagem, mas era uma espécie de "católico não-praticante" ou coisa parecida, como se isso fizesse sentido. O fato é que "São Paulo nos pertence", meu curta anterior, era extremamente verborrágico e com uma insegurança extrema em confiar no poder de comunicação da imagem. E isso só ficou realmente claro pra mim na edição.

E então ficou resolvido que meu filme seguinte seria uma exploração radical da imagem. Não sei até onde vai minha crença, mas só o tempo vai dizer. "Como as ondas" não tem mais do que uma dúzia de diálogos em 10 minutos de filme.

Temos então 2 desafios: o primeiro é relativo à interpretação, e o segundo, à técnica.

Quanto à interpretação, pretendo explorar um método de trabalho que abra espaço para novos significados e expressões gestuais, com um período prévio de ensaios no qual eu e os atores (principalmente Cacá) estaremos criando partituras e tensões expressivas que devem comunicar não só a ação em si, mas também toda a carga simbólica exigida pela narrativa. Mas a abordagem não deve ser nunca psicologizante, e sim física. Não me interessa "construir" o signficado, e sim "descontruir" a ação até chegar em sua essência. Há uma abissal distância entre uma coisa e outra.

E na técnica, a proposta é explorar os recursos técnicos com o mesmo instuito desconstrutivo. Tenho uma intuição que há algo no suporte digital que tem muito a ver com isso. Não tenho ainda a resposta (ainda bem), mas há muito o que experimentar sobre a luz, a câmera, , a textura da imagem, a música, e tudo o mais.

Modo de usar

Esse blog irá concentrar boa parte das minhas reflexões sobre o filme e registros de idéias, referências e comentários que registrem o processo de construção do curta. Todos os envolvidos no projeto estão convidados a escrever posts (se vc está envolvido e não recebeu o email-convite, me avise), e os comentários estão abertos a todos. Vale tudo aqui, menos xingar a mãe.

Menos a minha, pelo menos.

Segundas e terceiras intenções

Como as ondas é inspirado em uma história real. Pelo que sei, aconteceu com uma atriz, gaúcha se não se engana a pessoa que me contou a história. E isso é tudo q sei. Já procurei descobrir mais sobre isso, mas não consegui.

É a história de uma mulher que tenta o suicídio no mar. Mas quando ela começa a se afogar é salva por um desconhecido. Ela transa com esse desconhecido ali mesmo, na praia, antes que ele desapareça para sempre da sua vida. Mas esse encontro lhe dará uma filha, que acabará por salvá-la definitivamente.

Contada assim parece simples. E parte do desafio do roteiro é manter essa (aparente) simplicidade, como agora está ainda mais claro depois da reunião inicial com a equipe. Há certamente milhares de significados míticos relacionados com essa história, mas meu desafio, e de todos, será embutir todos esses signos de forma sutil e precisa no enredo sem perder o teor surpreendente da história.

Pra mim Como as ondas é a história simbólica sobre morte e nascimento, e como em algum momento crítico fomos ou seremos colocados diante da questão fundamental: quem somos nós verdadeiramente? A vida que vivemos é realmente nossa ou é moldada pelas máscaras e amarras que nos são (auto) impostas? É possível se livrar dessas amarras e se jogar no mar de dúvidas e inseguranças que nos acompanham diariamente? E pra onde no levarão essas ondas?

Há diversos símbolos óbvios nessa história (e o fato de ser uma história real comprova como a vida pode ser ao mesmo tempo óbvia e sábia), sendo o maior deles o mar. E antes dele, a água.

E é claro, a mulher. E seus ciclos mensais de vida e morte.

Este filme não tem uma Primeira intenção. Ele não quer nada que seja óbvio. Mas é irritantemente cheio de Segundas e Terceiras intenções.

Como as ondas

Nesta semana, quinta-feira, comecei oficialmente o projeto Como as ondas. Enquanto tudo está apenas na sua cabeça e meia dúzia de letras no papel, tudo parece extremamente volátil e frágil. Certamente por isso, a primeira reunião traz pra mim muita ansiedade e incerteza, pois é quando se pode ver se tudo aquilo encontra anteparo nas outras pessoas.

O grupo é homgêneo por um lado, já que trabalhei com quase todos em meu primeiro curta-metragem. Amigos de longa data, cuja compreensão, apoio e cumplicidade me acompanham faz tempo.

A "estranha no ninho" (rs) é Cacá, atriz indicada por uma amiga antiga também, a Rejane. Detalhes de como cheguei a ela e de como tudo pareceu uma feliz coincidência poderão estar neste blog em breve. Ou não. Seja bem-vinda, Cacá, e espero que aprecie a viagem.

A primeira reunião foi ótima. Não tenho dúvidas nem problema algum em admitir a fragilidade do texto que escrevi, apesar de acreditar muito em seu potencial dramático. O que me pareceu surpreendente é como ele foi acolhido por todos, e se houve críticas (muitas) elas aconteceram no sentido de me desafiar ainda mais, contribuindo com sugestões e propostas (algumas objetivas, outras conceituais - as que mais gosto) para a evolução do texto.

Esse projeto fala pra mim muito sobre arriscar-se, libertando-se das amarras e máscaras do cotidiano em busca de seu verdadeiro eu, sua verdadeira liberdade. E de alguma forma minha proposta é explorar esse tema também no próprio processo de construção do filme. Curiosamente, como percebi no meio da reunião, eu já estava tentando "direcionar" o processo de forma mais objetiva. E os comentários feitos me fizeram o favor de desanuviar minha visão, mostrando não as respostas mas sim os diversos caminhos a serem explorados.

Como se sabe, velhos hábitos são difíceis de serem abandonados. E a todos que estão comigo nessa, e aos que estarão, sejam bem vindos a bordo. Não se acomodem em seus lugares, por que essa viagem tem um destino recompensador e inusitado, mas será tudo, menos óbvia.